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domingo, 22 de dezembro de 2019

Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) coloca em risco tratamentos especializados


Portadores de autismo podem ficar sem tratamento custeado por planos de saúde

“Se essa decisão for aplicada para todos os casos, eu acho que ela acabaria com a vida de todas as famílias dos autistas que hoje podem receber um tratamento digno do plano de saúde”. Foi dessa forma que a terapeuta Josiane Mariano, mãe do Heitor, de 9 anos portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA), definiu a decisão unânime da 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desta terça-feira (10/12). A decisão proferida entende que os planos de saúde não são obrigados a custear qualquer tratamento que não esteja previsto no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O documento, atualizado a cada dois anos, define quais procedimentos deverão ser cobertos pelas operadoras obrigatoriamente, o que muitas vezes envolve medicamentos para doenças raras, paralisia cerebral ou câncer, por exemplo.

Para a advogada especialista em direito médico e da saúde, Debora Lubke, a decisão dos ministros interfere diretamente no tratamento de saúde dos usuários de plano de saúde:

“Até o momento, o STJ mantinha o entendimento de que o Rol da ANS era meramente exemplificativo e que se o contrato de plano de saúde não exclui a cobertura de determinada doença, não poderia restringir o tipo de tratamento. Entretanto, houve agora essa mudança no entendimento da 4ª Turma. A decisão proferida não é definitiva e não possui caráter vinculativo, mas se for mantida pela 3ª Turma do STJ, pode impactar em muitos casos em trâmite no judiciário”.

A discussão foi motivada depois que a segurada de um plano de saúde de Londrina/PR teve o pedido de cobertura de uma cirurgia na coluna que não estava prevista no rol de cobertura básica negada. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, fundamentou o voto alegando que o rol da ANS não é meramente exemplificativo, tratando-se de um mínimo obrigatório para as operadoras de planos de saúde. Dessa forma, o que estaria disponível para a segurada seriam os procedimentos previstos no Rol da ANS. Outros quatro ministros tiveram o mesmo entendimento: Raul Araújo, Isabel Galotti, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi.

Para os advogados de defesa da segurada, Su-Ellen de Oliveira Vianna e Adriano Moro Bittencourt, a decisão nada mais é do que o resultado da ação dos planos de saúde, que com seu poderio econômico formam um lobby, e em busca de vantagens financeiras, objetivando o menor custo nos tratamentos fornecidos aos seus beneficiários, lesando-os:

“Na realidade quase todos os planos de saúde são empresas que objetivam o lucro, e não o tratamento de saúde, o bem estar do ser humano. São contratados por uma variedade de pessoas, de diversas classes sociais e etnias, que objetivam, toda a assistência no tratamento de suas mazelas, independentemente de valores. A decisão, a nosso ver, é totalmente descabida e beira a ilegalidade, pois afronta a Constituição Federal ao autorizar que os planos de saúde cubram apenas o mínimo previsto na resolução da ANS. A nós, os procuradores da autora da ação, julgada pela 4° turma do STJ, caberá recarregar as energias, e partir para mais uma batalha, objetivando o fim desta guerra”.

A decisão da 4ª Turma do STJ, se confirmada pela 3ª Turma, pode atingir diretamente centenas de autistas em todo o país que, como o Heitor, tiveram que recorrer à Justiça para garantir a cobertura de tratamentos multidisciplinares pelos planos de saúde. A família da criança entrou com ação na Justiça assim que recebeu o diagnóstico de autismo e teve todo o tratamento de saúde negado pelo seu plano de saúde, quando Heitor tinha apenas 2 anos e 2 meses. Atualmente, o tratamento do menino é custeado pelo plano de saúde.

“Só assim que garanto aquilo que considero por direito, porque todo mundo tem direito à saúde. Para que meu filho tenha uma melhor qualidade de vida, ele depende dos tratamentos que vem recebendo e que agora corre o risco de perder”, explica Josiane.

O Transtorno do Espectro Autista envolve diversas patologias que prejudicam o desenvolvimento neurológico do paciente, além de possuir características que podem causar prejuízos para o desenvolvimento do portador: dificuldade de comunicação, de socialização e comportamentos repetitivos. A Lei 9656/98, que dispõe sobre planos e seguros de saúde, determina a cobertura obrigatória para doenças listadas na Classificação Estatística Internacional 10 (CID-10), que trata sobre enfermidades padronizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Os direitos dos portadores do TEA estão garantidos ainda na Lei 12.764/12, que prevê a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional para os pacientes que forem diagnosticados com autismo, além de garantias à saúde específicas como “atenção às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes”. A Justiça garante, ainda, o direito ao tratamento por meio da psicologia comportamental humana, conhecido como Análise do Comportamento Aplicada (ABA). O tratamento é comprovado, reconhecido cientificamente e aplicado por diversos países no tratamento do autismo.

Segundo a ADUSEPS (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde), cabe ao médico responsável pelo caso, determinar o tratamento apropriado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade do paciente, desta forma, o plano de saúde não está habilitado, tampouco autorizado, a restringir as alternativas cabíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do enfermo.

Depois de publicada no Diário Oficial, o caso pode voltar a ser discutido na 2ª seção da Corte, para análise da 3ª Turma do STJ, da qual fazem parte os ministros: Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Vilas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Para Josiane, os próximos meses serão de indecisão. Ela conta que a angústia da espera já tomou conta de toda a família:

“Realizar a terapia adequada no tratamento para meu filho foi muito importante para o desenvolvimento dele, uma vez que através disso ele pode agregar muitas habilidades que para muitos é considerada simples, como se vestir, calçar os sapatos, escovar os dentes, por exemplo, mas para uma criança autista que não realizava pequenas ações, isso é uma grande conquista. Vejo de perto a evolução dele e só de pensar em perder o direito ao tratamento de saúde eu entro em desespero! Não consigo imaginar meu filho perder toda essa evolução no tratamento e regredir. Toda essa melhora em seu comportamento só foi possível através do custeio pelo plano de saúde, pois minha família não possui condições financeiras de custear o tratamento. Não estão tirando apenas um tratamento, estão tirando a qualidade de vida do meu filho e de toda nossa família, onde todos nós sofreremos e seremos impactos juntos, todos nós perderemos nossa saúde! Seria um custo muito maior para o plano de saúde, que terá que cuidar de todos nós também”, finaliza a mãe.


Rol de procedimentos da ANS


O rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecido pela ANS foi definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar e garante o direito assistencial dos beneficiários dos planos de saúde, válida para planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, contemplando os procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde, em cumprimento ao disposto na Lei nº 9656/98. A última atualização do rol de procedimentos foi em 2018, quando foi incorporado, pela primeira vez, um medicamento para o tratamento da esclerose múltipla. A atualização acontece a cada dois anos.

Para saber quais procedimentos fazem parte do rol da ANS acesse: www.ans.gov.br


O rol da a ANS é meramente exemplificativo. Cobertura mínima


Sobre o rol de procedimentos da ANS, a ADUSEPS (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde), relata que o mesmo não se refere a uma tabela vinculativa, mas de cobertura mínima obrigatória pelos planos de saúde:

“É o mínimo que uma empresa de plano e seguro saúde pode fazer. O rol da ANS é desserviço ao consumidor. A ANS procurou uma forma de agradar a gregos e troianos e criou o rol, que para o consumidor desavisado parece oferecer garantias e para as empresas de planos de saúde, aparentemente, diminui sua obrigação de dar a assistência obrigatória prevista no artigo 10 e 12 da Lei 9656/98. Não existe preocupação alguma nem nenhuma atenção ao que realmente o beneficiário precisa, agem com crueldade ao “escolher” qual o evento que será coberto pelo seguro saúde”.

E reforça ainda que as controvérsias sobre a ausência de cobertura devido à limitação do rol da ANS devem ser consideradas como uma prática abusiva de exclusão cometida por um ente público.

“A não cobertura de procedimentos exclui do consumidor a tecnologia na evolução da medicina, ou seja, o rol fere o direito do consumidor que adquiriu um seguro saúde referência e regulado, sendo a forma legal que a ANS encontrou para excluir tratamentos urgentes e modernos”.

Diante de todo o exposto, para que a grande maioria dos cidadãos brasileiros, os quais são usuários de planos de saúde, tenha acesso à medicina moderna e a novas tecnologias registradas na ANVISA, a ADUSEPS (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde), pontua:

a) Que o julgamento em tela reconheça o rol da ANS como meramente exemplificativo de tratamentos, materiais, procedimentos e medicamentos, os quais deverão ter registro na ANVISA, a fim de poder ser liberado para os usuários dos planos, seguros e sistemas de saúde;

b) Que, em nome da liberdade no exercício da profissão do médico, o médico assistente, que realiza a consulta clínica, que tem acesso ao paciente e às suas idiossincrasias orgânicas, conhecendo a predisposição particular do organismo, que faz que um indivíduo reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores, seja o parâmetro a ser seguido pelo julgador em caso de litígio, uma vez que goza da confiança do seu paciente, constituindo a autoridade indicada e imparcial para prescrever o tratamento;

c) Consequentemente, que os núcleos de apoio técnico - NATS sejam desconsiderados nas decisões judicias, até pelo modelo como opera atualmente, formados por técnicos já comprometidos com planos, seguros ou sistema de saúde, como ficou provado neste documento;

d) Que os tratamentos modernos sejam disponibilizados aos consumidores de saúde, como já foi dito, como único meio de resguardar suas vidas, tendo como requisitos a prescrição do médico assistente e o Registro na ANVISA;

e) Que seja reconhecido que não há risco ao equilíbrio econômico financeiro da operadora de saúde em casos de cobertura de procedimentos que estejam fora do rol da ANS;

f) Que seja entendido que o risco à vida e à saúde do jurisdicionado ocorrerá caso este não tenha acesso ao avanço da medicina;

g) Que resguarde os Princípios da Igualdade e da Isonomia Processual, reconhecendo que os planos de saúde podem dispor de profissionais qualificados, mas não para o caso concreto, pois têm o dever deontológico já comprometido com o plano de saúde, seus empregadores, não podendo vestir o manto da imparcialidade – haverá conflito de interesses, pesando sobre o profissional o fardo de atender ao seu empregador.

h) Que seja recebido o argumento de que a ANS constitui-se em autarquia especial da administração indireta, passível de decisões políticas, e que não haverá segurança jurídica se apenas o seu Rol de Procedimentos seja tomado como medida para cobertura de tratamentos, até porque o mesmo corresponde a coberturas mínimas, atualizando-se a cada dois anos, ficando defasado em relação ao avanço médico tecnológico.

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